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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ensinando política para crianças

Quem tivesse o porrete maior, mandava.

      E você? Também não gosta de política? Pois é, política é uma coisa complicada, né? Mas é necessária. No texto de hoje vou aproveitar uma série de textos de Rubem Alves para introduzir o assunto "política" em sua vida. Vamos ver se dá certo?

Começo com uma frase de Carlos Drummond de Andrade:

“É fácil falar em nome do povo. Ele não tem voz.”

       Ao montar este texto usei uma série de textos de Rubem Alves que chamam-se EXPLICANDO POLÍTICA PARA CRIANÇAS.

       Há muitos milênios, antes mesmo que a roda tivesse sido inventada, a vida era uma pancadaria generalizada, pauladas, pedradas, cada um por si, cada um contra todos. Um famoso pensador chamado Hobbes disse que era um estado de "guerra de todos contra todos".

       Não havia leis. As leis servem para proibir aquilo que não pode ser feito. Assim, cada um fazia o que queria. Roubar não era crime porque não havia uma lei que dissesse "é proibido roubar". Matar não era crime porque não havia uma lei que dissesse " é proibido matar". E não havia pessoas encarregadas de fazer cumprir a lei: juízes, polícia. Quem tivesse o porrete maior, mandava.

       É fácil entender. Imaginem uma coisa doida: um jogo de futebol em que não haja regras e nem haja um juiz que apite as faltas. Tudo é permitido. Tapas, murros, rasteiras, xingamentos, levar a bola com a mão, mudar de time no meio do jogo. Ao final de cada jogo o número de mortos e feridos é grande. Os amantes de futebol queriam continuar a jogar futebol, mas sem medo da violência. Eles se reuniram e disseram: "Não é possível continuar assim. Vamos fazer regras para o futebol. E vamos ter, no campo, um homem que faça com que as regras sejam cumpridas." E assim fizeram. E o futebol se transformou num jogo civilizado (às vezes...).

Meio de campo
prezado amigo Afonsinho
eu continuo aqui mesmo
aperfeiçoando o imperfeito
dando um tempo, dando um jeito
desprezando a perfeição
que a perfeição é uma meta
defendida pelo goleiro
que joga na seleção
e eu não sou Pelé nem nada
se muito for, eu sou Tostão
fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão

Elis Regina (Quer ouvir clica aqui http://www.youtube.com/watch?v=-XExdVd7Qpw )

Mas trocando em miúdos, Precisamos de leis.

       Pois os homens daqueles tempos chegaram à mesma conclusão. Não valia a pena continuar a viver daquele jeito. Eles se reuniram numa grande assembléia e chegaram a um acordo: "Só há uma solução. É preciso que cada um deixe de fazer o que lhe dá na telha. Precisamos de leis. Mas, para ter leis, precisamos de um homem que faça as leis. E não só isso: um homem que tenha o poder para punir todos aqueles que quebrarem a lei."

       E os homens então, abriram mão das suas pequenas vontades individuais para poder viver uns com os outros em paz. E para que houvesse um homem que fizesse as leis e punisse os criminosos eles escolheram um que seria o seu rei, ele e os seus descendentes. O rei teria que ser aquela pessoa que reinaria para a paz dos homens comuns, os seus súditos. O rei teria de ser uma pessoa que, ao mesmo tempo, combinasse sabedoria e força.

       Sabedoria para fazer as coisas certas. E força para punir os malfeitores. No futebol, por exemplo, os malfeitores são aqueles que quebram as regras, aqueles que, pensando que o juiz está distraído, dão rasteiras e tentam fazer gols com a mão. Se o juiz ficar desatento e não apitar as faltas a partida de futebol vira pancadaria.

       Mas os homens que elegeram o rei eram ruins em psicologia. É sempre assim: em período de eleição todos os candidatos se apresentam como honestos, puros, pessoas que só desejam o bem do povo. Mas o povo não conhece psicologia. Acredita naquilo que lhe é dito. Não sabe que essas falas dos candidatos são como a isca no anzol do pescador. O seu objetivo é apenas "fisgar" o voto do povo. E esses puros, uma vez no poder, passam por horríveis transformações. Belos, transformam-se em Feras.

       Aconteceu assim com os reis, tão bonitos, tão honestos, antes de terem a coroa na cabeça e a espada na mão. Mas uma vez no poder transformaram-se em Tiranos.

Nem o pobre nem o rei
Eu perguntei, perguntei e perguntei
Muita gente respondeu
Não sei não sei
Mas eu só sei eu só sei e eu só sei
Ninguém é feliz sozinho
Nem o pobre nem o rei
(Diz pra eu ser feliz meu irmão)
Mamãe falou que eu era um menino muito feliz
E eu acreditei
Cresci com esta figura gravada no coração
Usei abusei lambuzei
(Eu lambuzei)
Agora eu ando em todas as bocas do meu país
Dizendo que a vida é bonita apesar dos pesares
Mas devo de admitir
Talvez eu não tenha aprendido
O que é felicidade
Dizem que felicidade é só um momento, ô...
É coisa pas-sa-gei-ra
Dizem que é questão de loteria
Que todo mundo persegue
De toda e qualquer maneira
Falam que o dinheiro não a compra
Mas há quem a encontre no mercado
É só vender a alma pro dono do poder
E serás o mais feliz safado
(Safado, safado)
É só vender a alma pro dono do poder
E serás o mais feliz safado
Ventura contentamento
Sucesso divertimento
Saúde amizade e muita paz
Acho que é tudo isto
Acho que é muito mais
Não é somente alegria
Não é somente bom-humor
É tudo reunido no mistério de outra palavra
Uma pequena palavra
Amor amor amor
(Repete)
Eu perguntei perguntei e perguntei
Muita gente respondeu
Não sei não sei
Mas eu só sei eu só sei e eu só sei
Ninguém é feliz sozinho
Nem o pobre nem o rei...

Gonzaguinha ( Quer ouvir clica ai, vale a pena http://www.youtube.com/watch?v=N31CT6M-30g)       

O poder e o dinheiro corrompem.

       Tiranos são aqueles que, esquecidos do povo, impõem a sua vontade sobre ele. Assim os reis esqueceram-se do povo e passaram a pensar só neles mesmos. Se eles eram aqueles que fazem as leis, e se eles eram aqueles que tinham a espada na mão, não havia ninguém que os punisse. Eles cometiam suas maldades protegidos pela impunidade. Tendo poder para fazer as leis, eles as fizeram só em seu benefício, leis que obrigavam o povo a pagar impostos pesados. Imposto é um dinheiro que o povo tem de pagar ao governo para administrar o país.

       Tudo estaria bem se o dinheiro dos impostos fosse usado para o bem do povo. Mas não foi isso que fizeram. Usaram o dinheiro do povo para si mesmos.

       Construíram palácios com jardins, gramados e piscinas, deram banquetes, não só eles mas todos os membros da corte que assim se locupletaram. Todos ficaram ricos. O povo ficou mais pobre, mais sofrido. Aprendam isso: as pessoas mais cheias de boas intenções, quando têm o poder e o dinheiro na mão, esquecem-se delas. Ficam deslumbradas com o poder e passam a pensar só nelas mesmas. O poder e o dinheiro corrompem.

       Foi assim durante muitos séculos, os reis reinando. Até que o povo perdeu as esperanças. Os reis, que haviam sido objetos da sua admiração, tornaram-se objetos do seu desprezo. Seu perfume se transformou em fedor. Não, os reis jamais pensariam no bem do povo.

       Aí o povo pensou: "Não fomos nós que escolhemos o rei? Se ele está no trono é só porque nós queremos! Ele não está no trono pela vontade dos deuses! Se fomos nós os que o colocamos no trono, temos o direito de tirá-lo de lá". O povo então se enfureceu, saiu às ruas, pegou em armas, fez revoluções e tirou o Rei do trono. Mas esse direito de tirar os reis dos tronos transformou-se em crueldade. Na Revolução Francesa o rei e a rainha foram guilhotinados. Na Rússia os revolucionários fuzilaram toda a família real, inclusive as crianças.

Liberdade guiando o povo - Eugène Delacroix

       Voltou-se então ao estado original: não havia quem ditasse leis e as fizesse cumprir, para a paz do povo. Mas o povo havia aprendido uma lição: poder por toda a vida, como o que era dado aos reis, só produz tirania e corrupção. É muito perigoso dar poder absoluto a uma pessoa só.

       Por que o jogo de futebol é possível? Jogadores, bola - tudo bem. Mas não basta. Tem que haver regras. E como se estabelecem regras? As pessoas interessadas se juntam e fazem um "contrato".

       "Contrato" é um documento que estabelece as regras, com o acordo de todos. Esse contrato contém as regras do jogo que todos devem obedecer. Todas as relações entre os seres humanos são reguladas por contratos. O casamento é um contrato, a compra de uma casa é um contrato, a matricula de um aluno numa escola se faz por meio de um contrato. Quando um povo inteiro quer estabelecer as regras de sua convivência, esse contrato tem nome: "Constituição".

       "O poder pertence ao povo": essa foi a regra fundamental do jogo. Com justiça absoluta. Se você não sabe, essa é a essência da democracia. A palavra democracia vem da junção de duas palavras gregas: "demos", que quer dizer "povo" e "kratein" que quer dizer "governar". Governo do povo e para o povo: haverá coisa mais bonita?

Canto do povo de algum lugar
Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia
Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde
Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite
Caetano Veloso 

A maioria é sempre mais sábia?

       Acontece que as coisas são mais fáceis na teoria do que na prática. É fácil sonhar com o vôo. É difícil fazer um avião. É fácil sonhar com o ideal democrático. É muito difícil transformá-lo numa máquina que funcione.Como criar um sistema político em que seja o povo que exercita o poder?

       Em Atenas, na Grécia, cidade considerada o berço da democracia, esse problema se resolvia de forma simples: os cidadãos livres se reuniam numa praça, debatiam as questões e votavam. A proposta que tivesse mais votos ganhava. Isso era fácil porque Atenas era uma cidade pequena.

       Mas como reunir os cidadãos de Paris, de Moscou, de Roma? A primeira dificuldade seria colocá-los juntos numa praça. A segunda dificuldade seria fazê-los ouvir as propostas (não havia alto-falantes). A terceira dificuldade seria fazê-los entender as propostas... Há muitos problemas sobre os quais o povo nada sabe. Podem os ignorantes tomar decisões sobre assuntos que ignoram? A maioria é sempre mais sábia? Se o seu filho estiver doente, você vai acreditar no diagnostico de um único médico ou no diagnóstico da família inteira reunida? Em muitas situações a sabedoria se encontra no "um" e não nos "muitos"

       A solução encontrada se baseava num pressuposto filosófico: os cidadãos são seres racionais. Eles sabem o que é bom para eles. Assim, tratava-se de escolher um cidadão, dentre os muitos, que representasse os pensamentos e desejos gerais.

       Essa pessoa assim escolhida se tornaria, então, "representante" de todos aqueles que haviam votado nela. Pois é isso que é o voto: abro mão do meu direito de exercer diretamente o meu poder e o transfiro para um outro, em quem confio. Esse outro será o meu "representante". Não só meu, mas de todas as pessoas que tiverem votado nele. Assim, o voto seria o exercício racional da vontade do povo que, conhecedor das alternativas que se abrem, opta por aquela que lhe parece mais sábia. O voto seria, ao mesmo tempo, um exercício de poder e de sabedoria.

       Democracia só faz sentido com um povo sábio. A partir disso formam-se os partidos.

Imagine só Silvio Santos Presidente (clica e ouve http://www.youtube.com/watch?v=U9NQ25Tc8h0)

       Partido... Partido é o conjunto daqueles que, juntos, querem que o barco navegue numa determinada direção. Há partidos que querem que o barco continue em frente. Outros preferem a direita. E há aqueles que querem que o barco navegue para a esquerda. E há ainda uns outros que querem que o barco fique dando voltas...

       E foi assim que se formou a democracia, governo do povo pelo povo, povo inteligente, que sabe o que quer, que, por meio do voto escolhe os seus representantes que, em seu nome vão exercer o poder...

       Tão bonita, a idéia da democracia! Melhor não há. Os cidadãos, educados, conscientes das suas necessidades, no exercício da sua liberdade, sem compulsões, sem enganos, escolhem por meio do voto aqueles que serão os seus representantes. Na cidade, os vereadores, no estado, os deputados estaduais, no país, os deputados federais e os senadores. Nada mais transparente. Nada mais honesto.


       E os representantes do povo, dominados por um único ideal: trabalhar para o bem comum. No ato de se aceitarem como representantes do povo eles deixam de lado a sua vontade, os seus interesses privados, particulares. Tornaram-se depositários da vontade do povo. Quando pensam e agem não pensam e agem de acordo com os seus interesses. Apenas uma pergunta informa o seu pensar e o seu agir: "É do interesse do povo?"

É assim que eu quero. É assim que todo mundo quer.

       Como é linda a democracia quando escrita no papel! O problema é que o que está escrito não é aquilo que é vivido. O poder corrompe os ideais.

       Que tal, hein? Rubem Alves nos deu uma perspectiva interessante sobre os fundamentos da política. Política não é essa coisa feia que está aí. Política é a cola que mantém unida a sociedade. Mas infelizmente os homens tem defeitos: o poder corrompe os ideais. E então temos aquilo que todos vêem... Mas isso é assunto para um outro texto.

        Pra terminar, uma frase de Will Durant, filósofo e historiador estadunidense:

A máquina política triunfa porque é uma minoria unida atuando contra uma maioria dividida.

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